Pedro Costa
Esse texto inicalmente foi escrito para participar do evento Desfazendo Genero, que ocorreu ano passado em Natal, na UFRN, no GT „Teoria Queer, Corpo, Legislacao e Direito na Arte Contemporanea: Subjetividade, Estigma, Cidadania e Livre Expressao“. Como a participacao online foi vetada, eu repasso ele agora sem modificacoes, em primeira mao. Ele ficou pronto em 14/08/2013.
ResumoAqui não é o corpo nu que incomoda, mas o corpo imigrante. Para isso, falarei da minha experiencia imigrante from Brazil, vivendo a quase 3 anos em Berlim-Alemanha. O meu interesse em Berlim foi, principalmente, a cena queer. Falarei de duas experiências principais: uma em Berlim, com foco na criação da Coalition Black and People of Colour na cena queer, e a do evento político-artístico em Linz-Austria Fest des Lachens: “Wer lacht(e) wann über wen?” (Festa do Riso: “Quem ri de quem?”), realizado pelo maiz kultur, organização que trabalha com mulheres migrantes e onde fui convidado como performer e palestrante. Em Berlim existe a “Cultura do Corpo Livre” (FKK – Freikörperkultur), tornando o corpo nu livre de pré-conceitos e moralismos. A minha proposta, então, é relatar sobre o corpo imigrante, a partir da minha experiência como imigrante e artista.
O que relato aqui nasceu inspirado da intervencao
artística do Grupo Corpo Livre realizado na UFRN, com corpos nus. As fotos
divulgadas na internet e os comentários moralistas e sexistas, e a sindicancia
aberta pela UFRN, me fizeram pensar sobre muitas questoes sobre arte,
liberdades do corpo, patriarcalismo, colonizacao e instituicao academica entre
Natal e Berlim. Natal, cidade onde vivi por mais de uma década e Berlim, cidade
onde vivo atualmente.
A escrita que está aqui, é uma escrita fracassada e
errada. Uma escrita conectada com a minha vida e minha experiencia. Um relato
confessional. Um portugues escrito errado, sem acentos, que denuncia o limite
do computador sem um teclado apropriado à língua portuguesa. Um texto que
denuncia anos livre de uma escrita academica, onde nunca consegui me adestrar.
Longe, mas talvez perto, das normas da ABNT. Uma experiencia borrada, onde a
(im)posicao da "integracao" (Integration) é uma (im)possibilidade. É
impossível deixar de ser o que se é. Só é possível somar, mas nem tudo. Um soma
filtrada. Nesse transito, muita coisa se quebra. Isso nao é uma posicao de
vítima, mas um lamento, uma melancolia pós-colonial. Ao mesmo tempo,
"Nuestra venganza es ser felices", como escrevem nos muros da cidade
de La Paz, Mujeres Creando.
Essa semana, além da luta com os insistentes desejos de
escrever um super mega crítico texto academico, existem mais duas lutas que tem
sido fundamentais que aparecam, mesmo que indiretamente, aqui. Meu pai, a
primeira encarnacao do patriarcalismo que me fez o que sou, está prestes a
fazer uma cirurgia no coracao. Vivo todos os dias com a incerteza de ir, de
Berlim a Natal, passar de duas semana a um mes, cuidando dele. O segundo caso,
é que fui a Áustria, no evento que descrevi no resumo. Lá, conheci as pessoas
que sao refugiadas políticas, a maioria do Paquistao, e que tem o movimento lá,
que vinha ganhando visibilidade e forca política nos últimos meses. A mais ou
menos dez dias, o governo austríaco prendeu oitos pessoas, os quais conheci, e
está tentando criminalizar a todos. Um deles foi deportado. No Paquistao,
quando eles sao deportados, existem quatro caminhos: serem mortos pelo grupo Taliban,
serem presos ou assassinados pelo governo, se suicidarem ou se tornarem
"invisíveis", se escondendo pelas florestas. "Prefiro ficar anos
na prisao na Áustria, do que ser deportado ao Paquistao", foi uma das
coisas que ouvi diretamente.
Todas essas questoes estao aqui. Se escrever é criar uma
ficcao, entao essa é a tentativa, misturada com relatos vivenciais. Uma
tentativa quebrada na história, de tentar dizer tao pouco, de tao muito que
acontece. E, nao se engane, tudo aqui é pirataria, um pouco caótico, um pouco
esquizofrenico e, bem possível, com uma pitada de drama queen.
Uma introducao ao corpo livre (livre, mas nem tanto)
Em Berlim, é comum a prática do nudismo e/ou naturismo,
com o nome de Cultura do Corpo Livre (FKK - FreiKörperKultur). Na Alemanha, No
final do século XIX se inicia o movimento de naturismo ou nudismo. Em 1898 se
cria o primeiro clube de nudismo na Alemanha, na cidade de Essen. Em 1903, se
instaura a cultura do nudismo no país. Obviamente, esse foi e continua sendo um
movimento político de liberdade do corpo, que conecta às liberdades individuais
e coletivas, que surgiu como parte do Movimento de Reforma da Vida. No início
do século 20, surgiram diversas publicações voltadas ao naturismo mas o rápido
crescimento do naturismo foi barrado pelos nazistas em 1933 e ganhou vida
novamente após a Segunda Guerra Mundial. O banhar-se nu aos poucos foi se
tornando comum em lagos e praias da República Democrática Alemã (RDA), o número
de associações e áreas reservadas para adeptos da FKK voltou a crescer na
Alemanha.
Atualmente, algumas preocupacoes com o movimento sao que
os adeptos oficiais estao diminuindo. Um dos motivos, seria a moda. O estar
vestido seria mais importante que o estar nu. O diferencial pela roupa que se
veste seria mais importante que a igualdade que a nudez proporciona. Sem roupa
não há afirmação de status social.
O que já ouvi aqui, é que as pessoas nao acreditam que num
país como o Brasil, onde aparentemente a liberdade com corpo e com as sexualidades
é visível através do carnaval, praias, natureza e ótimo clima, possa existir
casos como esse do grupo Corpo Livre, ainda mais sendo o ato uma intervencao de
arte. Percepcoes essas que desminto rapidamente, vomitando dados estatísticos
de violencia contra mulheres, pessoas negras e LGBT's.
Ficar nu, aqui, pode causar espanto e as pessoas podem
sofrer repressao através de violencia física, nos espacos que nao estao
destinados ao exercício da Cultura do Corpo Livre. Mas, o que mais causa danos
as pessoas sao os microfacismos, os choques culturais, a gentrificacao, as
politicas de imigracao e de refugiados politicos em Berlim.
Relatando o desejo de viver de em Berlim
A primeira vez que saí do Brasil, para fazer turne com o
meu projeto "Solange, to aberta!" ou STA!, foi em 2009. Na epoca,
vivia no Rio de Janeiro e estava conectada com as pessoas dos direitos humanos,
artistas e punks. Um mes antes de viajar, sofri homofobia e omissao policial na
Lapa. Lugar que atualmente é um foco homofóbico. Escrevi uma carta relatando o
caso, e foi muito divulgado na mídia oficial. Mesmo sendo acompanhado, e sem
violencia fisica grave com as pessoas que estavam comigo, tive que tomar duas
decisoes: ou denunciar os policiais, abrir um processo e ir fazer o reconhecimento
deles, ou ir viajar. Decidi viajar, e acabei descobrindo as sutilidades que se
escondiam por tras de "um bando de garotos homofobicos" e por tras da
"omissao policial". Nada era tao simples como parecia ser. Deixei pra
lá esse caso, e me preparei para a viagem.
Ao chegar em Berlim, me deparo com uma cena queer
incrível: bares, festas solidárias, pessoas, coletivos, um clima de liberdade e
lutas políticas no ar. Nao precisava falar línguas, pois tudo era compreendido
pelos gestos e desejos apesar de que, quanto mais eu bebia, mas eu conseguia me
comunicar. Me apresentei em Hamburgo, também na Alemanha, em
Copenhague-Dinamarca e em Varsóvia-Polonia, em lugares e pessoas queer
incríveis. Tudo foi novo e muito intenso.
Ao ir de Berlim a Varsóvia, no trem, tres policiais entram
no vagao. Estou só, com mais 3 mulheres brancas, loiras e olhos claros, na
cabine. Numa forma raivosa de falar, eles pedem o meu passaporte. Detalhe,
pedem apenas o MEU passaporte. Percebi, naquele momento, que meu corpo era um
corpo diferenciado. Com meus cabelos e olhos pretos, e outras formas corporais,
eu tinha um corpo passível/possível de cometer crimes e, portanto, necessitava
ser controlado.
Na última vez que voltei do Brasil para Alemanha em 2012,
no aeroporto, a polícia controlou a todos, pedindo o passaporte. Com uma cara
feia, ve meu passaporte brasileiro, de cor azul marinho, e eu digo: Ich wohne in Berlin e ela ve meu papel
oficial, com direito a viver e trabalhar na Alemanha, e sorri.
A (re)volta e o corpo inconformado
Apesar de ter apenas conhecido a noite de Berlim, onde
fiquei mais tempo que nas outras cidades, eu me identifiquei totalmente. Aqui,
a cena estaria pronta, construída, e tudo o que eu buscava em termos de arte e
política queer, além dos pequenos detalhes da vida cotidiana, encontraria
morando em Berlim. Voltei ao Brasil, sem desejo algum de voltar. Chegando no
Rio, tudo me soava assustador, violento, uma vida a qual nao fazia mais parte,
um estrangeiro. Passei cinco dias sem sair de casa. Morei mais dois meses no
Rio, e voltei a morar em Natal, pois minha família tinha residencia fixa na
cidade, e todos os importantes documentos e formas de me organizar para viver
em outro país, estavam lá. Nesse período em Natal, decidi parar com a STA!,
pois meu ex-companheiro no projeto tinha saído para seguir carreira solo, e eu
necessitava pensar se continuaria sozinho como Solange. Decidi fazer
performance arte, como artista com experiencia, com leituras, viajado, acabado
de entrar na década dos 30. Um artista maduro.
XIII Salão de Artes Visuais da Cidade do Natal. A
perfomance (sem título) do terço. A discussão foi sobre o ato de expurgar os
jesuítas e seu discurso de civilização sobre corpos/culturas indígenas e
africanas. Uma resistência às fornicações coloniais dos jesuítas e
colonizadores sobre os corpos. A descolonização do meu corpo através da
excretação do terço, um dos simbolos do domínio colonialista. E, ao mesmo
tempo, expurgar a interdição católica sobre o prazer anal e a afirmar o prazer
da "sodomia" (termo usado no período colonial para indicar o uso do
anus como orgao sexual). Obviamente, criticar a instituicao católica é criticar
a estrutura social em sua base.
Meses após a realizacao dessa performance e feliz com todo
o basfond que ela causou, e que levantou
a questao filosófica "o que é arte?", eu estaria chegando em Berlim.
Dessa vez nao como turista, mas como um retirante. "Eh, vida de cão! Trabalha e nunca tem nada não. Danação!
Arrancando o couro pro patrão. Pros feitor e pros macaco so pedindo proteção. A
corisco, a ventania, a vorta-seca, a lampião. Aí que eles vão ver como se dança
o baião. Bota o cristão de joelho pra sangrá o coração. E sai o facão vermelho
igual luar do sertão" (ouvi muito Cinto Cruzado, na voz de Clara
Nunes, música apresentada pela amiga Leilane).
Endlich Berliner.
E suas histórias. E aprender alemao. E ter liberdade com
outros corpos livres. E saber o que é ser imigrante. Todas elas aconteceram,
umas mais, outras menos.
Linz, Áustria, e a Festa do Riso
Fui convidado como performer e palestrante no evento
político-artístico em Linz, Fest des
Lachens: “Wer lacht(e) wann über wen?” (Festa do Riso: “Quem ri de quem?”),
realizado pelo maiz kultur,
organização que trabalha com mulheres imigrantes, contra o racismo e o sexismo.
Participei da palestra Queer was? Queer
wer? Queer wie?. E realizei a performance de Solange, to aberta!. Um dos
grupos feministas convidadas foi a Mujeres Creando, de La Paz, Bolívia. A
intervencao artística de Maria Galindo e Danitza Luna, foram o de pichar as
frases, como o grupo faz em La Paz.
Maria Galindo iniciou o trabalho, com uma tinta spray
preta, lavável, nas escadarias da praca onde acontecia o evento a céu aberto,
onde se encontra também o The Ars Eletronic Center, importante centro de artes
eletronicas européia. Um homem alto, branco, loiro, iniciou uma série de
ataques verbais a Maria. Uma das organizadoras do evento foi intervir, e acabou
sendo agredida verbalmente. Comeca uma confusao, onde as pessoas do evento vao
para cima do homem. Mesmo com toda a explicacao sobre o evento, da autorizacao
da polícia para a realizacao da intervencao, ele nao se contenta e mostra os
seus podres poderes. É austríaco, macho e artista intelectual que trabalha no
The Ars Eletronic Center. Pronto, o pacote completo de tudo que Mujeres Creando
luta contra, se personifica ali, em nossa frente. "No se puede
descolonizar sin despatriarcalizar". Todos descem da escada, ficam na
praca, e a conversa continua com a senhora do maiz kultur, uma das fundadoras
da organizacao e brasileira. Ele a violenta fisicamente, empurrando ela. Um dos
refugiados políticos vai para cima dele, ataca-lo, mas é separado por outras
pessoas, visto a situacao dos refugiados, que nao podem se envolver em nada que
os possa criminalizar, com o risco de serem deportados. Uma das meninas,
especialista em Karate, defere um golpe no austríaco que o derruba ao chao, sem
ele nem perceber o que aconteceu. Confusao, ele liga para a polícia, no alto do
seu poder europeu, branco, macho e intelectual humilhado por mulheres
imigrantes, das margens do mundo. Refugiados e ilegais desaparecem. As pessoas
que estao no bar/espaco cultural de esquerda onde acontece e suporta o evento,
vao todas ver a conversa com a senhora da organizacao e o homem. Estou lá também.
Os policiais ouvem a história, e perguntam: quem pichou? Todas, umas trinta
pessoas, e eu entre elas, levantamos as maos. Chega uma das organizadoras com a
documentacao oficial da policia, e a comprovacao de que o spray era lavável.
Tudo está sendo filmado por uma das organizadoras. Uma mulher grávida, com uma
filha pequena, pega a tinta spray e afirma que estava pichando também, e se
havia algum problema. O homem pede atencao e se desculpa oficialmente, na
frente de todas as pessoas. Se ve claramente o medo em seus olhos, de receber
um processo juridíco. A polícia, numa das falas, afirma que o que causou o
problema foi porque as mulheres nao sabiam falar bem alemao. Recomeca a
discussao, e acusacao clara de racismo vindo da polícia. As coisas se acalmam,
e acredito que os processos jurídicos foram devidamente encaminhados. A policia
e o homem vao embora, e fomos pichar toda a praca, a convite de Mujeres
Creando. Eu pichei a minha frase: "A revolucao é o meu pau mole",
frase que Maria Galindo está pichando em La Paz, assinando como Pedro Costa.
Coalition Black and People of Colour na cena queer de Berlim
Manifesto que tem circulado pela internet:
Khalas!!! We’re vex!
We are here – we have always been here!
We are here – we have always been here!
We are queer, trans*, inter* Black and People of Color
(QTIBPoC), we are many, we are fundamentally different and we are pissed off.
Have you ever asked yourself, why we’re so angry? Suddenly you
discovered racism? What you learn about in a workshop is our everyday reality –
and this includes our reality with you, too. We have been watching you for a
long time now. Is your memory really that bad? We are not the first ones to
express this – there has been a long history of QTIBPoC and we will no longer
educate you.
Some of us think: why do you call yourself anti-racists, when you don’t have any contact to BPoC (other than a sexual one that serves you well in your cv)? Don’t you think we know very well that you use this as arguments in debates on racism? Khalass!
Some of us think: why do you call yourself anti-racists, when you don’t have any contact to BPoC (other than a sexual one that serves you well in your cv)? Don’t you think we know very well that you use this as arguments in debates on racism? Khalass!
Some of us think: places like the Gayhane bear a political
meaning, which is constantly being denied, distracted from and questioned by
you. When white masses appear there, exoticizing us and gazing at us, it drains
these spaces of their political potential. These locations should be empowering
to us, you already have enough white spaces. Our bodies are not screens to
project your orientalist fantasies, your exotification and sexualization.
We do not want to be the white peoples entertainment at Gayhane and simultaneously get lectured on how music by PoC and Blacks is generally being “homophobic”, “transphobic” and “sexist”. You must be joking!
We are fed up that you single out and stigmatize some of us as “aggressive” simply because they address something you can’t bear to hear. This is a strategy we have observed on listservs, facebook, at work, at university and sexparties. Enough is enough!
We do not want to be the white peoples entertainment at Gayhane and simultaneously get lectured on how music by PoC and Blacks is generally being “homophobic”, “transphobic” and “sexist”. You must be joking!
We are fed up that you single out and stigmatize some of us as “aggressive” simply because they address something you can’t bear to hear. This is a strategy we have observed on listservs, facebook, at work, at university and sexparties. Enough is enough!
In this scene there is no critical reflection on social
structures, but rather a tradition of finding scapegoats*, that makes it easy
to divert from ones own complicity.
Some of us think: I want to stay away from white people in order not to be consumed, not to have my knowledge, experiences and processes exposed to them to then find them published on a “antiracist” blog at the end of the day. Some of us think: whites use a “critique of sexism” in order to legitimize their racism.
Some of us think: I want to stay away from white people in order not to be consumed, not to have my knowledge, experiences and processes exposed to them to then find them published on a “antiracist” blog at the end of the day. Some of us think: whites use a “critique of sexism” in order to legitimize their racism.
Now, it is important for us to strengthen our very own
structures and you know what? We do not want to be bothered by you. Do not
enter our communities to destroy them. Our realities are not your
realities!
Part of our structures, are the districts in which we live, our neighborhoods, in which we feel protected from racist attacks. You cannot even imagine that you might be part of the danger. You keep talking about fears concerning the move of Schwuz to Neukölln, but have you ever considered what Blacks and PoC in Neukölln are afraid of? Rents are rising, police presence is increasing, drunk party guests pee in house entrances. And the neonazis are not far – whether they’re bald or not. Our spaces get converted into your garbage dumps and become your fantasies of unmanned land with cheap rents. You consider yourself and your bourgeois squats to be “pioneers” and you don’t even realize how colonial your language is, you do not see the civilizing mission you are part of and that you prepare the ground for other white settlers to come. What do you think Kreuzberg looked like 30 years ago? It was poor, run-down and at the margin of Westberlin. That is exactly why landlords allowed Blacks and PoC to live there. Have you ever noticed that there aren’t any neighbours of Color in your organic food stores and your queer bars? Do you prefer it this way? Stop investing money into anti-homophobia projects in Wedding, Schöneberg and Neukölln that target us, the “dangerous brown mass” and start dealing with homo-, and transphobia within the white society.
Part of our structures, are the districts in which we live, our neighborhoods, in which we feel protected from racist attacks. You cannot even imagine that you might be part of the danger. You keep talking about fears concerning the move of Schwuz to Neukölln, but have you ever considered what Blacks and PoC in Neukölln are afraid of? Rents are rising, police presence is increasing, drunk party guests pee in house entrances. And the neonazis are not far – whether they’re bald or not. Our spaces get converted into your garbage dumps and become your fantasies of unmanned land with cheap rents. You consider yourself and your bourgeois squats to be “pioneers” and you don’t even realize how colonial your language is, you do not see the civilizing mission you are part of and that you prepare the ground for other white settlers to come. What do you think Kreuzberg looked like 30 years ago? It was poor, run-down and at the margin of Westberlin. That is exactly why landlords allowed Blacks and PoC to live there. Have you ever noticed that there aren’t any neighbours of Color in your organic food stores and your queer bars? Do you prefer it this way? Stop investing money into anti-homophobia projects in Wedding, Schöneberg and Neukölln that target us, the “dangerous brown mass” and start dealing with homo-, and transphobia within the white society.
Our realities are not your realities!
Stop with the categorization of PoC and Blacks as “queer” or “not-really-queer” or “not-queer-enough” or as “homophobic”. Why are we arbitrarily categorized and re-categorized? Since when has self-naming and self-identification become a privilege of white people? We are fed up being measured by standards of the European homosexual subject of the 19th century.
Stop with the categorization of PoC and Blacks as “queer” or “not-really-queer” or “not-queer-enough” or as “homophobic”. Why are we arbitrarily categorized and re-categorized? Since when has self-naming and self-identification become a privilege of white people? We are fed up being measured by standards of the European homosexual subject of the 19th century.
Your categorization is a colonial practice, one that we have
known for way too long. After all, most homophobic laws in former colonies are
legacies of colonial times. In your heads and in this society colonial times
never really ended. You would like us to live in your past and pursue your way
towards emancipation, democracy and freedom. Today, right here and now you
structurally reproduce Christianity without even noticing. Fuck that shit!
This is not a theoretical point - these structures affect us individually
and collectively. Critical self-reflection is not too much to ask. We are fed
up with the re-centering of white experiences and perspectives. You are not the
norm of queerness. Queer does not equal white – keep that in mind! Your
one-dimensional conception of “queer” fails to recognize homo,- and
transphobia. If you don’t have any idea how PoC and Blacks do their gender,
their queerness and their lives, how would you even be able to recognize your
trans- and homophobic behaviours?
We are queer_trans*_inter*_Black_Muslim*_Arab_Rromni*ja_mixedrace_Mizrahi
_Refugee_Native_Kurdish_Armenian, we sometimes are many of these and much more. Sisters, brothers and siblings, we are looking out for you.
_Refugee_Native_Kurdish_Armenian, we sometimes are many of these and much more. Sisters, brothers and siblings, we are looking out for you.
O contato direto.
No semestre de verao de 2013, na Universidade Humboldt de
Berlim, eu estudei em dois seminários com a Professora Doutora Grada Kilomba.
Os seminários foram Tongues Without Shame
II e Performing Knowledge. No
primeiro, tivemos contato com a escrita pós-colonial de vários autores, mas
trabalhamos principalmente sobre o livro dela, Plantation Memories - Episodes of Everyday Racism. No segundo,
trabalhamos mais intensivamente, sobre nossas memórias de racismo enquanto
Black and People of Colour, através do Teatro do Oprimido. Nessas classes, conheci
muitas pessoas interessantes e interessadas na coalisao, em relacao ao movimento queer de Berlim. Como na história
do Feminismo, chega o momento de ruptura. O Feminismo de Mulheres Negras cria
seu próprio caminho pois, histórica e politicamente, sao outras formas de
opressao. A alguns meses, chegou esse momento aqui. Me reconheci no texto
acima, em algumas passagens. Aqui, me reconheco como PoC. Esse reconhecimento é
uma posicao política, nao é sobre cor de pele. É sobre privilégios, sobre
estruturas, oportunidades e exclusoes. Sobre quem pode e quem nao pode
aprender, e que tipo de conhecimento é válido. Sobre quais biografias importam,
e quais nao. Sobre valor. Sobre quem pode ser ouvido, e quem nao. A partir
dessas experiencias, eu criei e "apresentei" uma performance, que se
chamou a body in place, um termo
retirado do livro da Grada Kilomba. A performance durou tres horas, num quarto
totalmente escuro. Eu fiquei lá dentro esse tempo, e as pessoas entravam e
saiam. Eu falo sobre o corpo invisível do imigrante.
Além desses dois seminários, estudei num curso de ingles,
na mesma universidade, Arts and
Humanities I, sobre os temas do Movimento Negro e Imigracao Hispanica
conectado aos Movimentos de Genero e Sexualidades nos Estados Unidos.
Pequenas agressoes diárias.
Cena 1: Aqui, me identificaram como "homem", num
show da STA!, e fui agredida. Numa festa solidária para o movimento
internacional Stop Transpatologizacion
2012, fui convidada pela organizadora, uma amiga que já tínhamos contato
pela internet, antes mesmo de eu pensar em sair do Brasil. A festa, realizada
de forma autonoma, foi para arrecadar dinheiro para o movimento. Na hora do
show, um grupo de pessoas (que pareciam meninas), ficaram gritando RAUS! para eu cair fora. No final do
show, uma delas jogou cerveja na minha cara. Continuei o show, e minhas amigas
foram falar com ela. Ela disse que eu era um "homem". Minha amiga
questionou: Mas ele nao se considera um homem! E a menina respondeu: Mas ele
tem penis!. Após esse episódio, as pessoas que estavam lá, nas duas semanas que
se seguiram, foram conversar com essa garota, escreveram nas listas de emails,
denunciaram ela no meio de esquerda queer e trans. Ela, tampouco, se retratou.
Me convidaram para escrever uma carta para o espaco, um local de esquerda,
onde, no passado, tinha ido lá concorrer a uma vaga para morar e nao consegui.
Nao quis escrever nada. Aprendi, com essa experiencia, a usar o Trigger Warning, que é um aviso que voce
dá antes de mostrar a obra de arte. Um aviso de que a obra pode trazer à tona
memórias indesejáveis, causar um desconforto ou sensacoes negativas.
Cena 2: Fui convidada para dar uma palestra e discussao
sobre STA! e a cena no bairro de Kreuzberg, onde vivo, num seminário sobre
queer e imigracao, num mestrado na universidade Humboldt. Falei dos primeiros
momentos em Berlim, ao buscar uma casa para viver conjuntamente com outras
pessoas queer e/ou de esquerda, compartilhar essa experiencia e aprender no
cotidiano, a língua inglesa e alema. Falei que busquei um website que
disponibiliza oportunidades para pessoas que tem essas vivencias, e também
pessoalmente com amigas, e que nao fui aceita porque nao falava ingles ou
alemao. A explicacao foi que era extremamente necessário a conversa entre as
pessoas da casa, já que seria um lugar de troca etc. Um dos estudantes me disse
que nao acreditava no que eu dizia. Eu perguntei o email dele, para enviar os
emails que eu tenho guardado. Ele se calou. No final de semana, fui a uma festa
queer. Nao me lembro de ter sido tao cumprimentada e abracada numa festa, como
fui nessa. Inclusive, as pessoas chegando perto e tentando falar um castelhano
pelo cu para tentar se comunicar comigo.
A vida em Berlim.
A experiencia aqui tem sido intensa. Conhecer
pessoalmente, conviver e ver obras de pessoas que eu pesquisava no Brasil como
Bruce La Bruce, Vaginal Davis, os diretores do filme Dzi Croquettes, Peaches,
John Cameron Mitchell, Kumbia Queers, entre tantas mais. Estar em contato
direto com exposicoes, performances, lugares históricos de lutas e resistencias
políticas. E poder estar participando de movimentos alternativos, inclusive
trabalhando para visibilizar à nível internacional, temas tao terriveis que
aconteceram no Brasil como o caso de Pinheirinho e Guarani-Kaiowa.
De resto, sao as marcas.
E essa marcação terá, além de seus efeitos simbólicos, expressão
social e material. Ela irá permitir que o sujeito seja reconhecido como
pertencendo a uma determinada identidade; que seja incluído ou excluído de
determinados espaços; que seja acolhido ou recusado por um grupo; que possa (ou
não) usufruir de direitos; que possa (ou não) realizar determinadas funções ou
ocupar determinados postos; que tenha deveres ou privilégios; que seja, em
síntese, aprovado, tolerado ou rejeitado. (Corpos que escapam, Guacira Lopes Louro)
Referencias Piratas
http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14305.pdf